Medida Provisória: o filme na aula de História

Publicado por Caroline Dähne em

Nas últimas semanas foi lançado nos cinemas brasileiros o novo filme nacional chamado Medida Provisória. Dirigido por Lázaro Ramos, o enredo trata sobre o Brasil num governo futuro, no qual uma Medida Provisória é aprovada pelo Congresso Nacional para realizar a devolução dos negros à África, como uma reparação histórica pelos séculos de escravidão em nosso território. 

A temática tratada no filme remete à diversas áreas da História brasileira e pode ser um ótimo recurso didático para abordar conteúdos como a Escravidão e o Racismo em nossa sociedade.  

Nós do Nas Tramas de Clio assistimos o filme e elaboramos algumas dicas para que os nossos colegas professores de História possam trabalhar com seus alunos. Seja levando eles ao cinema, ou depois quando o filme estiver disponibilizado em outros formatos para ser utilizado em sala de aula.

* Lembrando que a Classificação Indicativa do filme é de 14 anos, então nossas dicas se adequam ao trabalho com alunos do Ensino Médio.
Post para o Instagram com o título do texto: Medida Provisória- o filme na aula de História.

Medida Provisória: uma distopia?

Já indicamos aqui no blog várias obras que se encaixam no gênero ficcional conhecido como Distopia para ser trabalhadas em sala de aula. Se você ainda não conhece do que se trata, recomendamos a leitura do texto abaixo:

Quando falamos em livros, filmes ou séries que se encaixam no gênero Distopia, a maioria deles partilham de características em comum, tais como, enredos que se passam num futuro não muito distante, mas indeterminados temporalmente; sociedades com governos autoritários, baseados em restrições das liberdades individuais e no uso da violência; bem como, várias inspirações na História Mundial. 

Com o filme Medida Provisória, não é diferente. A novidade é que essa distopia acontece em terras brasileiras. Baseado na peça “Namíbia, não!” de Aldri Anunciação, que foi produzida em 2011, o enredo se passa num futuro, tem um governo autoritário e se baseia na estrutura escravocrata que nosso país teve por séculos. Tudo isso possibilita que o filme seja utilizado como recurso didático nas aulas de História.

Como trabalhar o filme Medida Provisória na aula de História?

A utilização de filmes no ensino de História é muito comum, mas o professor precisa tomar alguns cuidados para que esse recurso seja bem discutido e não vire apenas um “entretenimento” durante as aulas. Para preparar sua aula usando o Medida Provisória ou qualquer outro filme como recurso didático indicamos a leitura do texto abaixo:

Analisando o filme:

Após assistir o filme com os seus alunos, o ideal é discutir a ideia central da trama e depois partir para uma análise mais detalhada dos elementos apresentados. Nós fizemos uma lista de temas que podem ser abordados nessa análise e relacionados com conteúdos de História. É claro que para analisar todos eles, seria necessário várias aulas. Isso vai depender do planejamento do professor, você escolhe aquilo que melhor atende os objetivos da aula.

Contexto Histórico:

A trama de Medida Provisória inicia com a promessa do governo brasileiro em pagar uma indenização à população negra pelos anos de escravidão no país. População essa, que não é mais chamada de negra e sim de Melanina Acentuada. 

Essa promessa não é cumprida e em seguida o governo cria um novo programa chamado de plano “Resgate-se já”. Cujo objetivo é fornecer a passagem para que os cidadãos que tivessem “algum traço” que remetesse fisicamente à ascendência africana pudessem retornar à África. 

A propaganda criada pelo governo reforça a ideia de que essa medida iria reparar historicamente os danos causados por séculos de trabalhos forçados em terras brasileiras, durante a escravidão.

O plano encabeçado pelo recentemente criado “Ministério da Devolução” inicialmente era voluntário. Mas, devido à resistência, logo o plano de devolução se tornou compulsório, utilizando da violência para obrigar essas pessoas a irem para a África.

Como trabalhar o contexto histórico do filme?

Existem diversas abordagens que podem ser feitas a partir desse olhar inicial. Nossa primeira sugestão é para que os professores utilizem o filme quando já tiverem abordado a temática da Escravidão em suas aulas. Assim, os próprios alunos terão autonomia para iniciar o debate e as análises sobre a obra. 

Ao abordar a temática geral do filme, podemos realizar discussões sobre políticas eugenistas aplicadas anteriormente em nossa História. O governo do filme, ao enviar as pessoas negras para fora do país, está aplicando uma política de branqueamento da população nacional e reforça a ideia de que a população branca seria pretensamente “superior” às pessoas de “melanina acentuada”. 

Essa discussão pode auxiliar na identificação de práticas racistas que ainda acontecem no dia a dia da sociedade brasileira e que aparecem no filme.

Ancestralidade e Raízes

Em várias partes do filme, as falas remetem a ideia de que o governo brasileiro estaria fazendo “um favor” às pessoas negras ao enviarem elas para a terra de seus antepassados. Isso fica evidenciado na propaganda realizada pelo governo que incentivava o programa “Resgate-se Já”, baseado naquela ideia de: “vocês valorizam a cultura africana e buscam um resgate da memória? Então voltem para a sua terra”. 

Como trabalhar a Ancestralidade em sala de aula:

Nas cenas em que a inspetora entrevista as pessoas e pergunta para onde na África elas gostariam de ser enviadas, os professores podem realizar uma abordagem com os alunos identificando as estratégias utilizadas pela sociedade escravocrata brasileira no apagamento da identidade dos escravizados.

Como fazer isso? 

  • Evidencie que os escravizados eram separados de seus grupos e familiares como forma de evitar rebeliões.
  • Ressalte as mudanças de sobrenome realizadas em terras brasileiras, no momento em que os escravizados eram batizados no cristianismo e por vezes recebiam sobrenomes que indicavam quem eram os seus “donos”.  
  • Aponte a falta de registros que indiquem corretamente de onde esses escravizados vinham, como forma de facilitar o apagamento da memória e identidades individuais, facilitando o processo de aculturação.
  • Questione os alunos: para onde ir quando não se sabe exatamente quais são essas raízes?

Elementos Históricos: Os Afro Bunkers

Uma das cenas mais emblemáticas do filme, ocorre quando Capitu, personagem interpretada pela atriz Taís Araújo, foge do hospital onde era médica e corre para a floresta para ficar escondida durante a noite. Ao chegar novamente na cidade, Capitu encontra outros fugitivos e é levada em segurança para um Afro Bunker.

Como trabalhar em sala de aula?

As cenas da fuga de Capitu podem ser analisadas com os alunos sobre como ocorriam as fugas dos escravizados durante o Brasil Colônia e Império. Com as matas sendo refúgios temporários ou permanentes. Essas cenas, trazem elementos visuais e sonoros que remetem ao passado do nosso país. Já os Afro Bunkers, maneira como é chamado no filme os esconderijos dos negros, podem ser relacionados com os Quilombos.

Elementos Históricos: a simbologia do filme

É impossível não reparar na utilização de referências históricas ao longo do filme, seja em nomes ou em números. Isso pode ser analisado em sala de aula com os alunos, segundo os exemplos abaixo:

  • Medida Provisória 1.888: reforce com os alunos que o número da medida refere-se ao ano em que foi realizada a Lei Áurea no Brasil, libertando os escravizados. Levante uma discussão sobre como essa pretensa liberdade aconteceu. Para isso, demonstre como tanto na medida provisória, quanto na Lei Áurea, os negros não receberam nenhum tipo de assistência após a criação da lei. 
  • Inspetora Isabel: no filme, a responsável do governo para implantar a medida provisória no país é a personagem Isabel, interpretada pela atriz Adriana Esteves. O nome não é mera coincidência, afinal a mulher que entrevista os cidadãos de “melanina acentuada” e os “liberta” para voltarem à África, tem o mesmo nome da Princesa Isabel, responsável pela assinatura da Lei Áurea. E que por muito tempo foi chamada de “redentora”, aproveite e analise com os alunos essa representação. Aqui no blog temos algumas sugestões de atividades sobre isso. 
  • Antônio Gama: o personagem, interpretado pelo ator Alfred Enoch, é um advogado brasileiro que resiste ao plano “Resgate-se Já” e fica dentro do seu apartamento. No início do processo de “devolução”, ele faz várias ações contra a Lei, tentando lutar judicialmente em prol dos cidadãos de “melanina acentuada”. O nome do personagem e a sua profissão são inspirados em Luís Gama, o advogado abolicionista brasileiro que é considerado o Patrono da Abolição da Escravidão no Brasil. 

Temas atuais:

Além de todas as abordagens que sugerimos acima, o filme possibilita a discussão de várias temáticas atuais e muito necessárias. Em uma das cenas, um repórter angolano entrevista brasileiros recém chegados à África e aponta o descontentamento dos angolanos com a chegada dos imigrantes em seu território. Essa cena pode ser utilizada para levantar discussões sobre Xenofobia no tratamento com imigrantes. Além de discussões sobre o conceito de Identidade, baseado na ideia de que no Brasil as pessoas de “melanina acentuada” eram considerados africanos e na África eles eram considerados brasileiros, não se encaixando em nenhuma dessas sociedades.

Em outras cenas, temas como cotas, cultura/talento negro na formação brasileira e a situação da mulher negra na sociedade são também ressaltados. Eles podem ser abordados nas aulas de História, a partir da contextualização da nossa sociedade e da formação do povo brasileiro.

Temos também aqui no blog, alguns textos que podem auxiliar nessas abordagens em sala de aula:

Afrofuturismo

Toda a estética do filme é baseada no conceito de Afrofuturismo que, segundo informações disponibilizadas no instagram do filme, consiste no movimento que valoriza a cultura negra na ficção, como no uso de roupas e cenários.

A análise visual do filme, pode ser realizada em sala de aula, observando os vestuários dos personagens remetendo à herança cultural africana em nossa sociedade. Esses elementos podem ser observados no trailer do filme abaixo:

Trilha Sonora de Medida Provisória

Além dos elementos visuais e do enredo, a trilha sonora de Medida Provisória também pode ser utilizada como recurso didático nas aulas de História. Com músicas de grandes nomes do cenário brasileiro, como Elza Soares e Cartola, o filme valoriza novamente a cultura negra brasileira.

Segue abaixo a lista de músicas da trilha sonora do filme:

Trilha Sonora do Filme Medida Provisória. Disponível em: https://pt.wikipedia.org/wiki/Medida_Provis%C3%B3ria_(filme)

E dicas de como utilizar músicas no Ensino de História:

Além de um plano de aula em que mostramos como analisar a Escravidão na música de um dos integrantes da trilha sonora do filme, Rincon Sapiência:

https://www.olimpiadadehistoria.com.br/especiais/planos-de-aula/plano/6.45365?page=2&editions=6&classes=1,2,3

Medida Provisória: o Filme na aula de História

Se você leu até aqui já percebeu que estamos falando de um ótimo filme nacional e que pode contribuir muito como recurso didático na aula de História. Então corre pro cinema e prestigie essa obra. Se utilizar nossas dicas, nos conte nos comentários como foi trabalhar com os alunos esse filme 😉

Até a próxima! 

Observação: as imagens utilizadas são para fins educativos.  


Caroline Dähne

Mestre em História, Cultura e Identidades e graduada em Licenciatura em História pela Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG). Desenvolve pesquisas relacionadas a Segunda Guerra Mundial, Discursos jornalísticos, Patriotismo e Nacionalismo, Imprensa brasileira e Propagandas de guerra. Atualmente atua como professora de História na rede particular de ensino na cidade de Curitiba-PR.

3 comentários

Raissa · 22/07/2022 às 09:38

👏🏻👏🏻👏🏻👏🏻👏🏻👏🏻👏🏻 adorei

Débora Santos · 20/12/2022 às 10:17

Estou programando minhas aulas para 2023 e vim parar aqui. que planejamento maravilhoso. com certeza usarei em sala, ano que vem.

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