Bicentenário da Independência: símbolos e narrativas na aula de História 

Publicado por Caroline Dähne em

Nos últimos dias a internet se encheu de memes sobre a chegada do coração de Dom Pedro I ao Brasil para as comemorações do Bicentenário da Independência. Como no exemplo abaixo:

Com a aproximação do dia 07 de setembro, aumentam cada vez mais as notícias sobre o Bicentenário e os anúncios sobre as comemorações programadas. Esse tipo de informação gera questionamentos entre os alunos e pode ser aproveitada para trabalhar alguns conceitos nas aulas de história sobre a simbologia que ela carrega.

No texto de hoje, vamos dar algumas dicas de como utilizar esses símbolos e discursos para análise em sala de aula.

Post do Instagram com o título do texto: Bicentenário da Independência, símbolos e narrativas na aula de História.

Exposição do coração embalsamado de Dom Pedro I

No dia 22 de agosto chegou ao Brasil o coração embalsamado de Dom Pedro I, que foi recebido com todas as honrarias de um chefe de Estado. Desde transporte em carro oficial da presidência, show da Esquadrilha da Fumaça, salva de tiros, até a escolta feita pelos Dragões da Independência. 

O órgão do imperador que faleceu em 1834, foi embalsamado a pedido de Dom Pedro I para ser doado à cidade de Porto- Portugal. Guardado em uma urna na Igreja da Irmandade da Lapa, o coração fica submerso em um líquido semelhante ao formol em um recipiente de vidro. 

A ideia bastante criticada nas redes sociais de trazer o coração para o Brasil, segundo informações disponibilizadas pela CNN, foi da médica Nise Yamaguchi (conhecida por sua polêmica defesa da cloroquina durante a Pandemia de Covid-19) em conjunto com o Deputado Federal Luiz Phillippe de Orleans e Bragança (PL-SP). 

O objetivo é realizar uma exposição aberta ao público, que está ocorrendo no Palácio do Itamaraty em Brasília até o dia 04 de setembro, chamada “Um coração ardoroso: vida e legado de Dom Pedro I”.  

Utilizando o “coração de Dom Pedro I” na aula de História

A temática por si só já chama a atenção dos alunos a partir das notícias sobre a chegada do órgão no país. Como podemos utilizá-lo na aula de história?

Você, professor, pode começar com a discussão sobre como os envolvidos na criação da exposição querem reafirmar a imagem de Dom Pedro I como o “herói” da Independência. Para isso, separamos algumas declarações que podem ser analisadas em sala de aula:

  • Segundo nota divulgada pelo Itamaraty, “a vinda do coração de D. Pedro I ao Brasil será oportunidade para que o povo brasileiro homenageie figura central para o processo de independência do Brasil”. (AGÊNCIA BRASIL, 2022)
  • Já o Ministro das Relações Exteriores, Carlos França, declarou: “É de grande significado que o País receba o coração do seu libertador“. (JC, 2022)
  • De acordo com o embaixador George Monteiro Prata: “Eu vejo a vinda do coração como uma oportunidade de homenagearmos a figura central do processo de independência do Brasil. Foi Dom Pedro quem outorgou nossa primeira Constituição. Com essa homenagem, celebramos também o país que nos tornamos” (AGÊNCIA BRASIL, 2022)
  • O Ministro da Defesa Paulo Sergio Nogueira disse: “Hoje, regressa ao solo pátrio, pelas Asas da Força Aérea, o coração deste herói nacional, primeiro imperador do Brasil, chamado de ‘O libertador’. Esse legítimo ícone da Independência Brasileira foi um governante muito à frente do seu tempo. Um líder visionário e destemido, que atuou em prol dos interesses do Brasil”. (FAB,2022)

Procure abordar com os alunos alguns pontos centrais sobre os discursos que acompanham a exposição:

  • É atribuída a Dom Pedro I toda a responsabilidade pela Independência do Brasil. Ressalte que ocorreu um processo no qual diversas pessoas participaram e múltiplos interesses foram atendidos.
  • Dom Pedro I é celebrado como “libertador”. Demonstre aos alunos que as estruturas do país, principalmente sociais, sofreram poucas alterações após o processo e que embora não estivesse mais nas “mãos de Portugal” continuava sendo governado por um monarca português.
  • Informe aos alunos que a construção de Dom Pedro I como herói nacional foi reforçada durante a Ditadura Militar, quando no Sesquicentenário da Independência do Brasil (1972) os restos mortais do monarca foram trazidos para o país. Onde continuam em exposição na Cripta Imperial em frente ao Museu do Ipiranga em São Paulo. Na ocasião foi reforçado além da função do imperador a característica de Dom Pedro I como “Homem das armas”. 

Criação do selo comemorativo “Bicentenário da Independência – Marca Oficial”

No dia 07 de Julho o Correio lançou uma edição de selo comemorativo pelo Bicentenário da Independência do Brasil, com tiragem prevista de 1,8 milhão de selos.  

Ao falar sobre selos com os alunos é importante explicar a sua utilidade, já que a maioria dos alunos nunca os utilizou. Essenciais para o envio de cartas, antes os selos eram amplamente utilizados nesse meio de comunicação, hoje em dia a maior parte deles são itens de colecionadores, os chamados filatelistas. Nesse sentido, o Brasil foi o segundo país do mundo a utilizar selos, a partir de 1843 no governo de Dom Pedro II.  

A utilização de selos na aula de História pode abordar diversas temáticas e conceitos como memória e cultura. Como são emitidos por um órgão oficial do país, os Correios, eles contribuem para a construção de narrativas sobre a nossa história. 

Segundo o Dr. Diego Andres Salcedo, em entrevista para a CNN Brasil, os selos podem ser utilizados para trabalhar as efemérides (datas importantes que comemoram aniversário terminados em zero, como por exemplo, o Bicentenário da Independência) e os professores podem utilizá-los em análises com a turma para entender a criação e a divulgação de símbolos nacionais.

Utilizando o Selo do Bicentenário na aula de História

Imagem do selo comemorativo do Bicentenário da Independência.
Correios/Divulgação. Disponível em: https://agenciabrasil.ebc.com.br/geral/noticia/2022-08/dia-do-selo-correios-lancam-estampas-de-200-anos-da-independencia

O selo criado na edição comemorativa contribui na narrativa do Dom Pedro I como um herói da independência, já que no detalhe da imagem aparece a espada supostamente empunhada por ele na proclamação da Independência Brasileira. Além do uso das cores verde e amarelo fazendo referência à nossa bandeira nacional.

Para analisar em sala, após a explicação sobre o processo da Independência, os professores podem instigar os alunos na análise do documento, iniciando com a discussão sobre a construção da figura de Dom Pedro I como um herói nacional. Para isso, demonstre como no início do Brasil Império foi criada uma Identidade Nacional brasileira e embora o Dom Pedro I fosse português, era necessário demonstrar o rompimento dele com a família real e o seu país de origem “em prol” do Brasil. Você pode inclusive, combinar essa análise com trechos de livros ou artigos de historiadores que demonstram os interesses por trás dessa construção narrativa.

Outra opção de análise é sobre como após a Independência ocorreu a criação de vários símbolos nacionais, e trabalhar com a escolha das cores da bandeira nacional. Explique (ou faça os alunos pesquisarem) sobre como ao contrário do que a maioria da população acredita, a cor verde não foi escolhida por representar as nossas matas e o amarelo o nosso ouro, ressalte que as cores e símbolos da bandeira imperial no início faziam referência às Casa de Bragança e a Casa de Lorena famílias de origem de Dom Pedro I e Leopoldina. 

Aqui no Nas Tramas de Clio você encontra um texto no qual explicamos como realizar análises dos significados de cores ao longo da História:

Outras possibilidades para o Bicentenário

Conforme ressaltamos ao longo do texto, essas comemorações acerca do Bicentenário da Independência acabam reforçando aqueles velhos discursos ligados à vertentes históricas tradicionalistas já superadas pela historiografia atual, mas que permanecem nas falas de pessoas leigas.

É importante que o professor de história utilize essas narrativas como objeto de análise em sala de aula para desconstruir com os alunos essas “pompas” e imagens heroicas que foram criadas com objetivos específicos.

Fiquem ligados que ainda nesta semana traremos mais dicas de como você pode abordar esse tema nas suas aulas, inclusive tratando de outras figuras históricas que também tiveram importância no processo de Independência do nosso país. Como o nosso material sobre a participação das mulheres:

Perdeu nosso especial da Independência?

Nos links abaixo você consegue acessar o material que já produzimos sobre a temática:

https://nastramasdeclio.com.br/historia/independencia-do-brasil-em-hqs/

https://nastramasdeclio.com.br/historia/2022-efemerides-de-historia-para-vestibular-enem/

Até a próxima!

Referências Bibliográficas:

GALVANI, Giovanna. Selos postais permeiam memórias e dizem como as histórias são contadas. CNN. 2021. Disponível em: https://www.cnnbrasil.com.br/nacional/selos-postais-permeiam-memorias-e-dizem-como-as-historias-sao-contadas/ 

AMARAL, Luciana; LOPES, Julliana. Coração de Dom Pedro I é escoltado por “Dragões” e tem show da esquadrilha. CNN, 2022. Disponível em: https://www.cnnbrasil.com.br/nacional/coracao-de-dom-pedro-i-e-escoltado-por-dragoes-e-tem-show-da-esquadrilha/

FERREIRA, Cristina. D. Pedro I, “herói” de dois mundos: Brasil e Portugal irmanados na fabricação do Imperador na Ditadura Militar (1971-1974). XXIX Simpósio Nacional de História. Disponível em: http://rj.anpuh.org/resources/anais/54/1502382801_ARQUIVO_Cristina_Ferreira_O_retorno_do_imortal_D.PedroI.pdf


Caroline Dähne

Mestre em História, Cultura e Identidades e graduada em Licenciatura em História pela Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG). Desenvolve pesquisas relacionadas a Segunda Guerra Mundial, Discursos jornalísticos, Patriotismo e Nacionalismo, Imprensa brasileira e Propagandas de guerra. Atualmente atua como professora de História na rede particular de ensino na cidade de Curitiba-PR.

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