Consciência Negra: na aula de História
Todo ano quando chega o mês de novembro vemos uma movimentação nas escolas em relação ao Dia da Consciência Negra. O cenário que geralmente percebemos nesses casos é o de pesquisadores negros e ativistas do Movimento Negro sendo convidados para palestras no ambiente escolar ou atividades organizadas pela própria escola para celebrar essa data.
Porém, ainda que estabelecida em legislações pertinentes à educação formal, podemos listar uma série de problemas em relação a forma como isso é trabalhado.
Entre elas estão: o convite a palestrantes que nunca são pagos por seu serviço ou que somente são lembrados em novembro; escolas que organizam atividades que só falam sobre os problemas que a população negra do nosso país enfrenta, mas sem refletir sobre eles e buscar promover ações para combater essas situações; ou até mesmo, escolas que sequer mencionam a data com seus alunos.
A data: Consciência Negra
A comemoração do dia da Consciência Negra foi incluído no calendário escolar em 20 de novembro à partir da Lei nº 10.639 de 9 de janeiro de 2003.
Além disso, ela também alterou a Lei de Diretrizes e Bases Da Educação Nacional (1996), modificando as bases curriculares para o ensino de História e outras disciplinas, ao acrescentar a necessidade da inclusão da História da África e a presença negra na História Brasileira.
A ideia da criação de uma data específica para realizar um momento de conscientização da importância do povo africano para a formação do nosso povo e da nossa própria cultura já era uma reivindicação do Movimento Negro no Brasil desde a década de 1970. Concretizada então, a partir dessa legislação.
Zumbi dos Palmares
A escolha pelo dia 20 não foi aleatória, afinal a data marca a morte de Zumbi dos Palmares (1695), líder Quilombola considerado um símbolo de resistência contra a escravidão no Brasil.
Por que não comemorar no dia 13 de maio?
Muitas pessoas se questionam o motivo do dia 13 de maio não ter sido escolhido como data para essa celebração, visto que marca a Abolição da Escravidão no Brasil (1888).
A resposta vem a partir da ideia de que o movimento pela abolição não coloca os negros como protagonistas na luta, embora tenha havido a participação de vários negros, o destaque é dado a participação de uma princesa branca que libertou o escravos.
Enquanto que a figura de Zumbi destaca a luta contra a escravidão e remete ao protagonismo negro na luta pela igualdade racial.
Consciência Negra: Sala de aula
Pensando nos problemas que vêm à tona no mês de novembro na maioria das escolas, precisamos entender o motivo pelo qual, mesmo depois de 16 anos da criação da lei que determina o ensino de História da África e da comemoração do dia da Consciência Negra, isso não vem sendo cumprido.
A Lei
A legislação estabelecida em 2003 foi reformulada pela lei 11.645 de 2008, que incluiu também a necessidade de trabalhar nas escolas a história dos povos indígenas e suas culturas.
Mas é importante lembrar que uma legislação por si só não faz a diferença. A obrigatoriedade do ensino visando essas relações étnicos-raciais não garante que elas estejam sendo efetivamente discutidas nas escolas.
Aliás, existem estudos que demonstram que quando isso é trabalhando em sala de aula, geralmente parte de ações individuais de professores, muitas vezes em situações pontuais.
A Formação dos Professores
Uma das explicações para a relutância de alguns professores em seguirem o que determina a legislação e as propostas curriculares das escolas está na formação dos docentes nos cursos de Licenciatura. Muitos cursos ainda não adequaram suas grades para a inclusão de disciplinas que discutam sobre a História Africana e Afro-brasileira.
Sem mencionar que muitos professores têm formação anterior à promulgação desta lei. Ou seja, estão desatualizados na formação que propõe um ensino que percebe as relações étnico-raciais.
Os Livros Didáticos
Mesmo que existam livros que tenham se adaptado, as pesquisas recentes que analisam os livros didáticos no sentido de perceber a presença da História Africana e Afro-brasileira tem apontado que ela ainda é discutida de forma superficial.
Esses estudos salientam então, que embora o governo tenha criado uma legislação que estimula essa discussão, não forneceu os subsídios necessários para a reformulação dos livros didáticos que são distribuídos por ele nas escolas.
Mas afinal, é possível mudar esse cenário acerca do Dia da Consciência Negra nas escolas?
Se a discussões acerca desse dia são sempre realizadas de forma superficial e ligadas à imagens negativas, precisamos agir e garantir que nossas práticas em sala de aula e no ambiente escolar garantam a promoção de ações baseadas na construção de conhecimentos que visem uma educação pela diversidade.
Para isso, devemos nos atentar em algumas questões:
Consciência = Todo dia!
Se o professor só demonstra a contribuição dos negros para a nossa cultura e a influência dos africanos na nossa história no mês de novembro, temos um problema.
É indiscutível a necessidade do Dia da Consciência Negra, mas não adianta adequar o seu planejamento para uma única data no ano achando que ao cumprir uma agenda politicamente correta estará fazendo a diferença.
Assim como eu já disse por aqui em um texto sobre a História das Mulheres. Não se trata de trabalhar essa presença na nossa história de maneira isolada. Nossa população é majoritariamente formada por negros e pardos, o que, naturalmente, pressupõe que nossa história é marcada pela sua presença.
Dessa forma, é necessário tratar do assunto com naturalidade, demonstrando que essa presença é marcante na formação do nosso povo, da nossa história e da nossa cultura durante o ano todo!
Rever práticas
Se iniciamos a aula falando sobre os problemas que o continente africano enfrenta, a imagem que os alunos farão sobre o continente poderá ser pautada exclusivamente em imagens negativas.
Por isso, é necessário tomar cuidado na maneira que trabalhamos os conteúdos, não focando apenas na DOR da escravidão, por exemplo, e sim na RESISTÊNCIA. Não se trata de negar elementos do processo histórico, pelo contrário, a ideia é ressaltar a presença deles, mas mostrar que não foram aceitos passivamente.
Uma atitude simples é mudar nosso vocabulário, em vez de pura e simplesmente descrever como escravo, utilizar palavras como africanos escravizados. Pode parecer bobagem num primeiro instante, mas essa simples substituição de palavras demonstra que a condição de escravo não é natural e sim imposta.
Consciência = Fugir de estereótipos e da História eurocentrista
Para valorizar a contribuição social e cultural dos africanos na formação da nossa Identidade Brasileira, é preciso fugir dos estereótipos e da ideia de que existem pessoas superiores às outras.
Para isso é fundamental a discussão de conceitos como raça e etnia. E, a partir daí ressaltar o cruzamento de elementos africanos com os elementos indígenas e europeus para a formação da nossa cultura.
Outro fator importante é salientar o protagonismo dos negros no Brasil e despertar os alunos para perceber como nossa sociedade continua desigual mesmo tantos anos após o fim da escravidão.
Buscar formação continuada
Para complementar seu conhecimento sobre o tema e contribuir para que as suas aulas tratem de forma aprofundada a temática é necessário continuar estudando. Seja através da realização de pós-graduações voltadas a temática da História da África e Afro-brasileira, de cursos de extensão oferecidos pelas Universidades, indo a palestras. Ou até mesmo realizando a leitura de livros e pesquisas acadêmicas.
O importante é buscar sempre se atualizar e contribuir para a construção do conhecimento histórico que visa a promoção de condições para uma sociedade mais consciente.
Se os livros didáticos não são o suficiente, o que fazer?
Mesmo que os livros didáticos ainda não estejam adaptados de maneira aprofundada para a inclusão da História africana e afro-brasileira, o professor pode procurar trazer materiais complementares para suas aulas.
Biografias: Consciência Negra
Procure salientar a participação de personagens negros nos processos históricos. Assim os alunos perceberão que existe protagonismo negro na história do Brasil. Para isso, você pode utilizar o material disponibilizado pelo projeto A cor da cultura.
No site eles disponibilizam episódios da série “Heróis de todo mundo”, que traz a trajetória de personalidades negras. Tais como, Carolina de Jesus, Aleijadinho, Cartola, Machado de Assis, entre outros.
http://antigo.acordacultura.org.br/herois/episodios
Outra opção, é buscar produções que mostram mulheres negras que tiveram participação na História do Brasil. Como a Dandara, guerreira que viveu no Quilombo de Palmares. O capítulo sobre ela no link abaixo faz parte do livro “Extraordinárias, mulheres que revolucionaram o Brasil” da editora Seguinte.
https://www.companhiadasletras.com.br/trechos/55149.pdf
Fontes Históricas: consciência
Mais do que levar apenas materiais que retratam os negros no Brasil, busque levar obras também produzidas por autores negros. Assim a aula contribuirá para o reconhecimento e valorização dessas obras.
Quando for utilizar músicas em suas análises em sala, conheça a produção de cantores e bandas negras. O Rap é ótimo quando se trata sobre músicas que retratam o cotidiano dos negros no Brasil. Procure conhecer novos artistas, ouça as músicas do Rincon Sapiência, Emicida, Criolo, entre outros.
História em quadrinhos
A Unesco elaborou uma série de hq’s sobre mulheres na História da África. O único exemplar disponível em português fala sobre Njinga Mbandi, rainha da Angola e símbolo de resistência contra o colonialismo português. Pode ser baixado gratuitamente no site da instituição:
https://unesdoc.unesco.org/ark:/48223/pf0000230931
Livros
Para aprofundar seu conhecimento sobre as temáticas, a Unesco também disponibiliza de forma gratuita uma série de livros, com oito volumes, sobre a História Geral da África. A coleção produzida pela instituição é escrita numa linguagem mais acadêmica, mas também pode ter trechos analisados em sala de aula.
Fotografias
Outra opção de materiais que podem ser utilizados em sala de aula para análise, são os recursos disponibilizados pelo Museu Afro-digital da memória africana e afro-brasileira, que conta com fotografias, livros e artigos sobre as temáticas.
https://museuafrodigital.ufba.br/
Plano de aula: identidade Afro-brasileira
Para complementar suas aulas, temos aqui no Nas Tramas de Clio um plano de aula que trata sobre a Identidade Afro-brasileira, utilizando o vídeo O perigo de uma História Única da escritora nigeriana Chimamanda Adichie.
Bibliografia: consciência
Também temos aqui no Nas Tramas de Clio um texto com indicações de algumas coleções de livros infantis que podem ser utilizados para trabalhar a História da África com crianças.
Como contribuir para o fim de estereótipos e preconceitos?
Nosso papel enquanto professores, principalmente de história, ao trabalhar a história da África é contribuir para que os alunos reconheçam nossa pluralidade étnico cultural e consequentemente valorizem a cultura afro-brasileira. Para isso, é necessário que em sala de aula demonstremos as imagens negativas visando desconstruí-las, ressaltando o protagonismo dos negros na construção da nossa história e da nossa cultura.
Dessa forma, esperamos contribuir para a criação de uma conscientização que promova uma sociedade que combate ao preconceito e às situações de injustiça social. Fugindo de uma discussão rasa e pontual, incluindo diariamente esses elementos em nossas aulas.
Referências Bibliográficas:
CARGNIN. Anilto Paulo. Os livros didáticos de História e os conteúdos sobre a cultura afro-brasileira após a Lei 10.639/2003: o caso do Projeto Araribá. Curitiba: Cadernos PDE, 2014.
PAIVA, Thais. África sem estereótipos. Revista Carta Capital. 2017.
PASSOS, Úrsula. Brasil tende a evocar a dor do negro em vez de lembrar a luta, diz antropóloga. Folha de São Paulo, 2019.
REINALDO, Telma Bonifacio dos Santos. Proposta metodológica para o ensino de História da África. Recanto das Letras.
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