Consciência Negra: na aula de História

Publicado por Caroline Dähne em

Todo ano quando chega o mês de novembro vemos uma movimentação nas escolas em relação ao Dia da Consciência Negra. O cenário que geralmente percebemos nesses casos é o de pesquisadores negros e ativistas do Movimento Negro sendo convidados para palestras no ambiente escolar ou atividades organizadas pela própria escola para celebrar essa data.

Porém, ainda que estabelecida em legislações pertinentes à educação formal, podemos listar uma série de problemas em relação a forma como isso é trabalhado.

Entre elas estão: o convite a palestrantes que nunca são pagos por seu serviço ou que somente são lembrados em novembro; escolas que organizam atividades que só falam sobre os problemas que a população negra do nosso país enfrenta, mas sem refletir sobre eles e buscar promover ações para combater essas situações; ou até mesmo, escolas que sequer mencionam a data com seus alunos.

Imagem para o instagram com o título da postagem: Consciência Negar na aula de História.

A data: Consciência Negra

A comemoração do dia da Consciência Negra foi incluído no calendário escolar em 20 de novembro à partir da Lei nº 10.639 de 9 de janeiro de 2003.

Além disso, ela também alterou  a Lei de Diretrizes e Bases Da Educação Nacional (1996), modificando as bases curriculares para o ensino de História e outras disciplinas, ao acrescentar a necessidade da inclusão da História da África e a presença negra na História Brasileira.

A ideia da criação de uma data específica para realizar um momento de conscientização da importância do povo africano para a formação do nosso povo e da nossa própria cultura já era uma reivindicação do Movimento Negro no Brasil desde a década de 1970. Concretizada então, a partir dessa legislação.

Zumbi dos Palmares

A escolha pelo dia 20 não foi aleatória, afinal a data marca a morte de Zumbi dos Palmares (1695), líder Quilombola considerado um símbolo de resistência contra a escravidão no Brasil.

Por que não comemorar no dia 13 de maio?

Muitas pessoas se questionam o motivo do dia 13 de maio não ter sido escolhido como data para essa celebração, visto que marca a Abolição da Escravidão no Brasil (1888).

A resposta vem a partir da ideia de que o movimento pela abolição não coloca os negros como protagonistas na luta, embora tenha havido a participação de vários negros, o destaque é dado a participação de uma princesa branca que libertou o escravos.

Enquanto que a figura de Zumbi destaca a luta contra a escravidão e remete ao protagonismo negro na luta pela igualdade racial.

Consciência Negra: Sala de aula

Pensando nos problemas que vêm à tona no mês de novembro na maioria das escolas, precisamos entender o motivo pelo qual, mesmo depois de 16 anos da criação da lei que determina o ensino de História da África e da comemoração do dia da Consciência Negra, isso não vem sendo cumprido.

A Lei

A legislação estabelecida em 2003 foi reformulada pela lei 11.645 de 2008, que incluiu também a necessidade de trabalhar nas escolas a história dos povos indígenas e suas culturas. 

Mas é importante lembrar que uma legislação por si só não faz a diferença. A obrigatoriedade do ensino visando essas relações étnicos-raciais não garante que elas estejam sendo efetivamente discutidas nas escolas. 

Aliás, existem estudos que demonstram que quando isso é trabalhando em sala de aula, geralmente parte de ações individuais de professores, muitas vezes em situações pontuais. 

A Formação dos Professores

Uma das explicações para a relutância de alguns professores em seguirem o que determina a legislação e as propostas curriculares das escolas está na formação dos docentes nos cursos de Licenciatura. Muitos cursos ainda não adequaram suas grades para a inclusão de disciplinas que discutam sobre a História Africana e Afro-brasileira.

Sem mencionar que muitos professores têm formação anterior à promulgação desta lei. Ou seja, estão desatualizados na formação que propõe um ensino que percebe as relações étnico-raciais.

Os Livros Didáticos

Mesmo que existam livros que tenham se adaptado, as pesquisas recentes que analisam os livros didáticos no sentido de perceber a presença da História Africana e Afro-brasileira tem apontado que ela ainda é discutida de forma superficial.

Esses estudos salientam então, que embora o governo tenha criado uma legislação que estimula essa discussão, não forneceu os subsídios necessários para a reformulação dos livros didáticos que são distribuídos por ele nas escolas.

Mas afinal, é possível mudar esse cenário acerca do Dia da Consciência Negra nas escolas?

Se a discussões acerca desse dia são sempre realizadas de forma superficial e ligadas à imagens negativas, precisamos agir e garantir que nossas práticas em sala de aula e no ambiente escolar garantam a promoção de ações baseadas na construção de conhecimentos que visem uma educação pela diversidade.

Para isso, devemos nos atentar em algumas questões:

Consciência = Todo dia!

Se o professor só demonstra a contribuição dos negros para a nossa cultura e a influência dos africanos na nossa história no mês de novembro, temos um problema. 

É indiscutível a necessidade do Dia da Consciência Negra, mas não adianta adequar o seu planejamento para uma única data no ano achando que ao cumprir uma agenda politicamente correta estará fazendo a diferença.

Assim como eu já disse por aqui em um texto sobre a História das Mulheres. Não se trata de trabalhar essa presença na nossa história de maneira isolada. Nossa população é majoritariamente formada por negros e pardos, o que, naturalmente, pressupõe que nossa história é marcada pela sua presença.

Dessa forma, é necessário tratar do assunto com naturalidade, demonstrando que essa presença é marcante na formação do nosso povo, da nossa história e da nossa cultura durante o ano todo!

Rever práticas

Se iniciamos a aula falando sobre os problemas que o continente africano enfrenta, a imagem que os alunos farão sobre o continente poderá ser pautada exclusivamente em imagens negativas. 

Por isso, é necessário tomar cuidado na maneira que trabalhamos os conteúdos, não focando apenas na DOR da escravidão, por exemplo, e sim na RESISTÊNCIA. Não se trata de negar elementos do processo histórico, pelo contrário, a ideia é ressaltar a presença deles, mas mostrar que não foram aceitos passivamente.

Uma atitude simples é mudar nosso vocabulário, em vez de pura e simplesmente descrever como escravo, utilizar palavras como africanos escravizados. Pode parecer bobagem num primeiro instante, mas essa simples substituição de palavras demonstra que a condição de escravo não é natural e sim imposta.

Consciência = Fugir de estereótipos e da História eurocentrista

Para valorizar a contribuição social e cultural dos africanos na formação da nossa Identidade Brasileira, é preciso fugir dos estereótipos e da ideia de que existem pessoas superiores às outras.

Para isso é fundamental a discussão de conceitos como raça e etnia. E, a partir daí ressaltar o cruzamento de elementos africanos com os elementos indígenas e europeus para a formação da nossa cultura.

Outro fator importante é salientar o protagonismo dos negros no Brasil e despertar os alunos para perceber como nossa sociedade continua desigual mesmo tantos anos após o fim da escravidão.  

Buscar formação continuada

Para complementar seu conhecimento sobre o tema e contribuir para que as suas aulas tratem de forma aprofundada a temática é necessário continuar estudando. Seja através da realização de pós-graduações voltadas a temática da História da África e Afro-brasileira, de cursos de extensão oferecidos pelas Universidades, indo a palestras. Ou até mesmo realizando a leitura de livros e pesquisas acadêmicas.

O importante é buscar sempre se atualizar e contribuir para a construção do conhecimento histórico que visa a promoção de condições para uma sociedade mais consciente.  

Se os livros didáticos não são o suficiente, o que fazer?

Mesmo que os livros didáticos ainda não estejam adaptados de maneira aprofundada para a inclusão da História africana e afro-brasileira, o professor pode procurar trazer materiais complementares para suas aulas.

Biografias: Consciência Negra

Procure salientar a participação de personagens negros nos processos históricos. Assim os alunos perceberão que existe protagonismo negro na história do Brasil. Para isso, você pode utilizar o material disponibilizado pelo projeto A cor da cultura.

No site eles disponibilizam episódios da série “Heróis de todo mundo”, que traz a trajetória de personalidades negras. Tais como, Carolina de Jesus, Aleijadinho, Cartola, Machado de Assis, entre outros. 

http://antigo.acordacultura.org.br/herois/episodios

Outra opção, é buscar produções que mostram mulheres negras que tiveram participação na História do Brasil. Como a Dandara, guerreira que viveu no Quilombo de Palmares. O capítulo sobre ela no link abaixo faz parte do livro “Extraordinárias, mulheres que revolucionaram o Brasil” da editora Seguinte.

https://www.companhiadasletras.com.br/trechos/55149.pdf

Fontes Históricas: consciência

Mais do que levar apenas materiais que retratam os negros no Brasil, busque levar obras também produzidas por autores negros. Assim a aula contribuirá para o reconhecimento e valorização dessas obras.

Quando for utilizar músicas em suas análises em sala, conheça a produção de cantores e bandas negras. O Rap é ótimo quando se trata sobre músicas que retratam o cotidiano dos negros no Brasil. Procure conhecer novos artistas, ouça as músicas do Rincon Sapiência, Emicida, Criolo, entre outros. 

História em quadrinhos

A Unesco elaborou uma série de hq’s sobre mulheres na História da África. O único exemplar disponível em português fala sobre Njinga Mbandi, rainha da Angola e símbolo de resistência contra o colonialismo português. Pode ser baixado gratuitamente no site da instituição:

https://unesdoc.unesco.org/ark:/48223/pf0000230931

Livros

 Para aprofundar seu conhecimento sobre as temáticas, a Unesco também disponibiliza de forma gratuita uma série de livros, com oito volumes, sobre a História Geral da África. A coleção produzida pela instituição é escrita numa linguagem mais acadêmica, mas também pode ter trechos analisados em sala de aula. 

http://www.unesco.org/new/pt/brasilia/about-this-office/single-view/news/general_history_of_africa_collection_in_portuguese_pdf_only/

Fotografias

Outra opção de materiais que podem ser utilizados em sala de aula para análise, são os recursos disponibilizados pelo Museu Afro-digital da memória africana e afro-brasileira, que conta com fotografias, livros e artigos sobre as temáticas.

https://museuafrodigital.ufba.br/

Plano de aula: identidade Afro-brasileira

Para complementar suas aulas, temos aqui no Nas Tramas de Clio um plano de aula que trata sobre a Identidade Afro-brasileira, utilizando o vídeo O perigo de uma História Única da escritora nigeriana Chimamanda Adichie.

Bibliografia: consciência

Também temos aqui no Nas Tramas de Clio um texto com indicações de algumas coleções de livros infantis que podem ser utilizados para trabalhar a História da África com crianças.

Como contribuir para o fim de estereótipos e preconceitos?

Nosso papel enquanto professores, principalmente de história, ao trabalhar a história da África é contribuir para que os alunos reconheçam nossa pluralidade étnico cultural e consequentemente valorizem a cultura afro-brasileira. Para isso, é necessário que em sala de aula demonstremos as imagens negativas visando desconstruí-las, ressaltando o protagonismo dos negros na construção da nossa história e da nossa cultura.

Dessa forma, esperamos contribuir para a criação de uma conscientização que promova uma sociedade que combate ao preconceito e às situações de injustiça social. Fugindo de uma discussão rasa e pontual, incluindo diariamente esses elementos em nossas aulas.   

Referências Bibliográficas:

CARGNIN. Anilto Paulo. Os livros didáticos de História e os conteúdos sobre a cultura afro-brasileira após a Lei 10.639/2003: o caso do Projeto Araribá. Curitiba: Cadernos PDE, 2014. 

PAIVA, Thais. África sem estereótipos. Revista Carta Capital. 2017.

PASSOS, Úrsula. Brasil tende a evocar a dor do negro em vez de lembrar a luta, diz antropóloga. Folha de São Paulo, 2019.

REINALDO, Telma Bonifacio dos Santos. Proposta metodológica para o ensino de História da África. Recanto das Letras.


Caroline Dähne

Mestre em História, Cultura e Identidades e graduada em Licenciatura em História pela Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG). Desenvolve pesquisas relacionadas a Segunda Guerra Mundial, Discursos jornalísticos, Patriotismo e Nacionalismo, Imprensa brasileira e Propagandas de guerra. Atualmente atua como professora de História na rede particular de ensino na cidade de Curitiba-PR.

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