Comunismo: afinal, o que é essa ideologia?
Em tempos de polarização política, muito se fala sobre o Comunismo, mas você sabe no que realmente ele consiste?
A fim de abordar temas relacionados com a História, hoje iniciamos uma coluna, aqui no Nas Tramas de Clio, dedicada à textos de autores convidados. Desse modo, para começar, convidamos o Jornalista e Cientista Político Luan Azevedo, para explicar esse conceito.
Prólogo: algumas observações
O Comunismo como episódio na história está sempre marcado com maior proximidade nos estudos escolares com a Revolução Industrial, ou mesmo com a Revolução Russa e sua trajetória política. Que aliás, se torna muito conturbada com os adventos de diversos grupos disputando o poder ao longo dos séculos.
Dessa forma, antes de comentarmos alguns aspectos mais substantivos para responder nossa pergunta principal temos o dever de fazer duas observações, uma primeira de caráter científico e a segunda de caráter teórico.
Comunismo: caráter científico
A primeira remete aos rótulos, que usualmente são muito enganosos, porque qualquer um pode pegar um rótulo à vontade e “pespegá-lo” na testa, diria João Ubaldo Ribeiro (1998, p. 124).
Então, tentaremos apenas caracterizar o Comunismo, sobre suas bases teóricas de acordo com o Dicionário de Política do prestigiado cientista político, Noberto Bobbio (1983), dando algumas pinceladas de contexto e história, para expor ao leitor.
Comunismo: caráter teórico
A segunda observação de cenário teórico já nos encaminha para tentarmos responder a pergunta, o que é Comunismo? De forma breve: uma ideologia. Todavia, tal visão se torna insatisfatória para se explicar, então iremos um pouco mais fundo na descrição de alguns elementos.
O significado de ideologia – de forma mais simplificada possível –, pode ser traduzida como um conjunto de ideias e de valores que tem como função orientar os comportamentos políticos coletivos (BOBBIO, 2013, p. 595).
Logo, trazendo esse entendimento do que é ideologia para nossa resposta, cabe alertar que a ideologia fica sempre distante das experiências históricas, e a maior prova disso são que na maioria das vezes elas não são realizadas por aqueles que as criaram.
O Comunismo antes de Marx
Indo direto ao ponto, para validar as afirmações do que é Comunismo e esclarecer melhor o leitor, cabe fornecer algumas informações mais gerais. A primeira aparição desse termo a ganhar destaque é na República de Platão (380 a.C.), que aponta para a exclusão da propriedade privada com o objetivo de acabar com o fim do conflito entre o interesse privado e o Estado.
Essa característica principal fornecida por Platão aponta para algo pouco divulgado, que isso ocorreria apenas para as classes superiores. Já que as classes inferiores, como os agricultores e escravos, deveriam permanecer em uma organização econômica de produção (pode ser entendido como um capitalismo primitivo).
Deve-se então distinguir que o Comunismo não tem origem com Marx, o que muitos tem em mente ao questionar o que é essa ideologia. Trata-se de um conjunto de ideias que foi “filosofada”, ou melhor, pensada, por diversos autores e perpassa por longos períodos, inclusive pela igreja[1], para chegar no Marxismo.
Entretanto, para não perdermos nosso foco, vemos que Platão antecipa o que Karl Marx (1818-1883) irá se debruçar um pouco mais. Que seria entender a origem desse conflito, ao observar uma sociedade em conflito e dividida em classes.
Marx então se torna o principal expoente dessa ideologia. O autor tenta traduzir os eventos históricos do Século XIX, da influência da Revolução Industrial e a ebulição das organizações sociais ocorrendo no contexto socioeconômico da Europa, da qual se via um capitalismo em plena ascensão.
Tentemos entender o que motivou o Marx
O filósofo alemão volta seu olhar para a maioria absoluta da população que estava vivendo em condições precárias no trabalho. Nesse cenário, é possível entender porque a teoria marxista pregava a luta de classes, já que Marx visitava fábricas e debatia o contexto – caótico – com seu colega Friedrich Engels (1820 – 1895).
Karl Marx busca então explicar em seus livros filosóficos sobre a exploração dos trabalhadores. Alguns relatos apontam que alguns operários permaneciam nas indústrias por até 16 horas diárias e eram obrigados a levar seus filhos para o trabalho. Que, em muitos casos, ficavam expostos em um ambiente nada agradável para crianças.
A partir desses pontos abordados, podemos então resumir que o Comunismo é uma ideologia política e socioeconômica que tem como objetivo promover o estabelecimento de uma sociedade igualitária, na qual não existam classes sociais e que seja baseada nos meios de produção como propriedade de todos os indivíduos.
Em termos prático, quem seriam donos dos meios de produção (fábricas) seria a classe trabalhadora. O Comunismo se estabelece com Marx como um passo para que se forme uma sociedade apátrida, ou seja, sem estar sob a regência de um Estado.
Comunismo X Capitalismo
Outra característica do Comunismo é considerar como a antítese do capitalismo, por apontar que a propriedade privada do capital é abusiva, servindo a uma minoria. Para Marx isso seria um dos pontos principais da qual geraria conflitos e desigualdade.
Burguesia
Como último ponto essencial a ser desmistificado quando se pergunta sobre Comunismo e Marx, é que a concepção marxista não faz nenhuma condenação moralista da burguesia. Pelo contrário, em seu Manifesto (1848), Marx adota uma postura respeitosa e a vê como classe importante para uma mudança do cenário socioeconômico.
Etimologia
Por fim, há um subterfúgio usado de forma mais prática para responder essa questão: a etimologia (origem da palavra). Assim, Comunismo: do francês communisme; derivado de commun; do latim clássico communis: “aquilo que pertence a todos ou a muitos”.
Comunismo: Conteúdo para aprofundamento
HOBSBAWM, Eric J. Revolucionários. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1982.
ENGELS, Friedrich. Princípios de Comunismo e Outros Textos. São Paulo, Mandacaru, 1990.
MARX, Karl & ENGELS, Friedrich. O Manifesto Comunista. 3ª edição, São Paulo, Global, 1988.
Referências:
BOBBIO, Noberto. Dicionário de política I. Brasília. Ed: Universidade de Brasília, p. 401, 1998.
MARX, Karl. Manuscritos Econômicos-Filosóficos. In: FROMM, Erich. Conceito Marxista do Homem. 8ª edição, Rio de Janeiro, Zahar, 1983.
MARX, Karl. O Capital. Vol. 2. 3ª edição, São Paulo, Nova Cultural, 1988.
MARX, Karl. O Dezoito Brumário e Cartas a Kugelmann. 5ª edição, Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1986.
PLATÃO. República. Tradução Maria Helena da Rocha Pereira. 9. ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbbenkian, 2001.
RIBEIRO, João Ubaldo. Política: quem manda, por que manda, como manda. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1981.
[1] Atos dos Apóstolos; Francis Bacon; Gracchus Babeuf e Filippo Buonarroti; James Harrington; Thomas Morus entre outros.
4 comentários
José Neto Vieira Damasceno · 13/06/2020 às 07:14
Permita-me fazer uma observação e um questionamento sobre esse ponto logo no início: Quando você menciona que o comunismo já existia muito antes de Marx na Grécia antiga, sugerido e analisado por Platão, isso historicamente não seria um anacronismo, visto que não podemos, ou pelo menos não é interessante expor ou associar termos de uma determinado período em momentos anteriores à sua real existência????
Jessica Leme · 14/06/2020 às 18:23
Olá obrigada pelo comentário, repassei ao autor para o próprio te responder.
José Andrade · 25/07/2020 às 21:46
Excelente material, de extrema qualidade e relevância. Gostaria de sugerir que a resposta da pergunta anterior pudesse ser compartilhada. Embora não concorde com os questionamentos do nobre colega que formulou o comentário eu gostaria de saber a posição do autor do artigo. Muito obrigado e continuem com esse maravilhoso trabalho!
Raphael Furlanetto · 17/08/2020 às 06:49
Anacronismo é só um nome feio que alguém inventou pra discutir por conta de semântica. Comunismo é outro nome que alguém inventou, pra definir um conjunto de valores e práticas que um conjunto de humanos vivenciou.
Se um conjunto de valores e práticas muito semelhante a o que alguém batizou como Comunismo foi vivenciado antes de esse alguém nomear como Comunismo, vai facilitar criar mais um nome pra descrever a mesma coisa?