Morte e História: aprendendo história no cemitério

Publicado por Caroline Dähne em

A morte certamente é inevitável. Um fenômeno natural do ciclo humano, dessa forma, todos os que estão vivos estão destinados à morte. Embora seja algo imutável, a relação dos seres humanos com a morte passaram por diversas transformações ao longo da história.

No dia 02 de novembro é celebrado na tradição cristã católica o dia de Finados, um dia destinado para relembrar aqueles entes queridos que se foram. Geralmente nesse dia os cemitérios ficam lotados e floridos. Mas de onde veio essa tradição?

Post do Instagram com o título do texto: Morte e História.

Morte= Passagem 

Na tradição cristã católica, a morte é apenas uma passagem para aquilo que é considerada a vida eterna. Dessa forma, os ritos funerários feitos pelos vivos são considerados uma forma de contribuir com essa passagem.

Essa celebração em memória dos entes queridos mortos remonta à Idade Média, quando o costume foi aos poucos se originando. A institucionalização da data ocorreu na França no século X, quando o monge Odilo de Cluny estabeleceu um dia específico para realizar a celebração.

O ritual ligado a data está associado à ideia de que era necessário uma purificação para que as almas saíssem do purgatório ao paraíso. A qual poderia ser atingida através da oração dos vivos que pediam pela intercessão dos Santos. 

Ao longo do tempo, as formas como essa celebração ocorre passaram por diversas transformações, mas ainda fazem parte do calendário cristão católico.

Morte: Bibliografia

Ficou curioso sobre como nossa atitude diante da morte mudou ao longo do tempo? Abaixo deixamos duas sugestões de leitura fundamentais para quem está buscando entender mais sobre o assunto.

História da Morte no Ocidente:

Nesse livro, o historiador francês Phillipe Ariès, mostra como foram as transformações da relação do ser humano com a morte, desde a Idade Média até o século XX.

Salientando que durante a Idade Média na Europa, esse processo acontecia de maneira pública, onde familiares, amigos e até estranhos acompanhavam a morte e os rituais dela advindos. Isso tudo acontecia sem o uso de emoção excessiva, já que havia uma familiaridade com a morte.

Com o passar do tempo isso foi se transformando, dessa maneira, a morte que antes acontecia no quarto com a presença da família que fazia orações passou a acontecer de maneira privada em hospitais, muitas vezes de forma solitária.

Racionalização da morte:

Nesse sentido, o autor demonstra que conforme a sociedade ia se racionalizando ocorreram profundas mudanças na mentalidade das pessoas, criando essa versão da morte como tabu. Essa transformação, no século XVI passou a ser percebida na diferenciação entre a morte de ricos e pobres; no século XVIII nas demonstrações de dor com emoção exagerada e no século XIX na morbidade e no silêncio em relação à morte.

A diferença na percepção da morte é percebida principalmente nas mudanças dos ritos fúnebres, com as medidas sanitárias os cemitérios passam a ser laicizados, ou seja, separados das Igrejas, e construídos fora dos centros urbanos.

Os cuidados com o corpo, que antes eram feitos pelos familiares, passaram a ser feitos por especialistas remunerados. E a morte, que antes era tratada com familiaridade, passou a ser solitária.

A morte é uma Festa:

Já nesse livro, a perspectiva em relação à morte é brasileira. O historiador João José Reis, mostra como os ritos fúnebres baianos no século XIX foram afetados pela criação de um cemitério privado e laico. 

O episódio, que acompanhava as discussões sanitárias do período, estava relacionado com uma legislação que determinava a realização dos enterros fora da zona urbana da cidade, ou seja, fora das Igrejas como era o costume. 

Mais do que uma mudança de local, a Cemiterada, como ficou conhecida a revolta realizada pelos moradores, refletiu a mudança na sensibilidade diante da morte em terras tupiniquins. O livro mostra, inclusive, como eram as relações das pessoas com a morte aqui no Brasil, mostrando que os costumes eram baseados num sincretismo religioso que misturava os elementos cristãos portugueses com as práticas africanas trazidas pelas pessoas que foram aqui escravizadas. 

O que os cemitérios nos ensinam?

As mudanças nas relações com a morte nos contam muito sobre a nossa história. As diferentes mentalidades ao longo do tempo, nos mostram como a nossa sociedade ocidental foi passando por diversas transformações.  

Os cemitérios, nesse sentido, passam a ser não só lugar de enterrar entes queridos, mas também Lugares de Memória.

Ao preservar os túmulos, preservamos também a memória local, já que as esculturas, os mausoléus, as inscrições em túmulos e a arte funerária no geral, demonstram o imaginário de épocas e de sociedades em relação à morte.

Visitas Guiadas a Cemitérios:

Em várias cidades existem passeios guiados em cemitérios, geralmente acompanhados por pesquisadores da temática.

Em Curitiba-Pr, as visitas guiadas acontecem diversas vezes no ano. Inclusive, algumas delas têm temáticas específicas de análise, como por exemplo as mulheres pioneiras de Curitiba. 

Para mais informações e agendamento de visitas entre em contato pelo e-mail visitaguiada@smma.curitiba.pr.gov.br 

Morte e História: o que analisar em um cemitério?

A noção que a maioria das pessoas tem de patrimônio histórico, é que esses são locais destinados à elite, quando pensamos em cemitérios enquanto lugares de memória, percebemos que elementos presentes no nosso cotidiano também preservam a história local.

Para perceber a relação das pessoas com a morte, uma opção é a análise das esculturas tumulares que fazem a parte da arte funerária. Em uma visita a um cemitério, procure perceber os elementos que compõe os túmulos e as datas dos sepultamentos.

Quanto maiores forem, podemos perceber o status social da família que o possui. As datas também nos mostram as mudanças de pensamento em relação à morte, quando comparados com túmulos mais recentes.

Arte Funerária e Patrimônio Histórico

Quando estávamos no curso de Licenciatura em História na Universidade Estadual de Ponta Grossa, desenvolvemos um projeto de exposição fotográfica sobre Patrimônio Histórico para alunos do 5º ano do Ensino Fundamental na disciplina Oficina de História III.

As fotografias das esculturas tumulares foram feitas no Cemitério Municipal São José que se localiza no centro da cidade de Ponta Grossa-Pr em 2009.

O cemitério São José foi construído na cidade de Ponta Grossa no ano de 1865 e atendia às novas preocupações higienistas da época, pois foi construído afastado das moradias, somente no ano de 1881 o novo cemitério foi considerado “campo-santo” e foi devidamente abençoado, tal atraso foi devido à disputas políticas. Hoje devido ao crescimento da cidade o cemitério se localiza no centro de Ponta Grossa.  

Observe alguns elementos nas imagens abaixo. 

São Jorge
Escultura tumular retrata a imagem de São Jorge montado num cavalo branco utilizando uma lança e uma espada para matar o dragão.
Foto: Mausoléu de Asma Fiany, data:28/10/2009, Cemitério São José- centro de Ponta Grossa, Acervo Pessoal. 

Essa escultura tumular localizada na parte de cima do Mausoléu da Família de Asma Fiany e que data da década de 1930 retrata a imagem de São Jorge montado num cavalo branco utilizando uma lança e uma espada para matar o dragão que representa o mal.

Essa imagem simboliza a eterna luta  do bem contra o mal, São Jorge é conhecido como combatente do mal e como símbolo de luta e resistência.

Anjo
Escultura tumular de um anjo adulto com o olhar triste e melancólico, ele está apoiado numa “coluna ceifada”.
Foto: Jazigo da Família Lineu Martins Ribas, data:28/10/2009, Cemitério São José- centro de Ponta Grossa, Acervo Pessoal. 

A segunda imagem é a de um anjo que é responsável pela comunicação entre o Céu e a Terra, a característica dele ser adulto e estar com o olhar triste e melancólico se constitui como anunciador da morte, ele está apoiado numa “coluna ceifada”, a qual simboliza a vida interrompida e a sua brevidade, a postura do anjo e seu olhar evocam a tristeza e a saudade.

Jesus nos braços de Maria
Escultura tumular representando a morte de Jesus Cristo nos braços de Maria.
Foto: Jazigo da Família João Maria Nascimento, data:28/10/2009, Cemitério São José- centro de Ponta Grossa, Acervo Pessoal.

A terceira imagem retrata uma cena sacra, de Jesus Cristo morto nos braços de Maria, a qual exibe o papel feminino diante da morte da qual se esperava uma maior atuação demonstrando seus sentimentos de pesar. 

Aula de História no cemitério: é possível?

Existem diversas possibilidades em relação à aula de história relacionada com a arte cemiterial, porém existem algumas dificuldades dependendo da faixa etária dos alunos para a realização de visitas. Principalmente pelo aspecto emocional e por a morte ser um assunto tabu em muitas famílias.

Caso o professor opte por uma atividade relacionado com a temática, é importante se atentar a alguns aspectos como: 

  • esse tipo de visita não pretende ser mórbida ou desrespeitosa; 
  • antes é necessário que o professor conheça o lugar de visitação e estude sobre a temática; 
  • tenha autorização dos pais dos alunos e da coordenação pedagógica da escola. 

Uma alternativa, caso o professor deseje realizar alguma atividade sobre cemitérios enquanto patrimônio histórico, é utilizar fotografias desses túmulos e, a partir delas orientar as análises.

E você já visitou algum cemitério pensando nessa relação com a História? Conte pra gente nos comentários ;)

Referências Bibliográficas:

ARIÈS, Phillipe. História da Morte no ocidente. Rio de Janeiro: Ediouro, 2003.

PETRUSKI, Maura Regina. A cidade dos mortos no mundo dos vivos – Os cemitérios. Revista de História Regional 11(2):93-108, Inverno, 2006. 

REIS, João José. A morte é uma festa: ritos fúnebres e revolta popular no Brasil do século XIX. São Paulo, Cia das Letras, 1991.

SCHNEIDER, Silvia Danielle; LAMB, Roberto Edgar. CEMITÉRIO MUNICIPAL SÃO JOSÉ: Símbolos e Imagens Funerárias. História, imagem e narrativas, Nº 8, abril/2009 – ISSN 1808-9895.


Caroline Dähne

Mestre em História, Cultura e Identidades e graduada em Licenciatura em História pela Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG). Desenvolve pesquisas relacionadas a Segunda Guerra Mundial, Discursos jornalísticos, Patriotismo e Nacionalismo, Imprensa brasileira e Propagandas de guerra. Atualmente atua como professora de História na rede particular de ensino na cidade de Curitiba-PR.

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