Stranger Things: Inspirações Históricas

Publicado por Caroline Dähne em

Stranger Things é apenas uma série de ficção científica para crianças, certo?

Errado! Apesar de ter várias crianças, agora adolescentes, como protagonistas, a série produzida pela Netflix atinge diversos públicos, inclusive de adultos que gostam de ficção científica.

Post do Instagram que contem o título da publicação, Stranger Things: inspirações Históricas.

Stranger Things: premiações

Nesse caso, o seriado que já foi indicado a diversas premiações internacionais, inclusive o Emmy e o Globo de Ouro, está atualmente em sua terceira temporada lançada no último dia 4 de julho, feriado importante para os norte-americanos uma vez que marca a Independência do seu país do domínio da Inglaterra em 1776.

Mas o que uma série de ficção/terror tem a ver com História?

Desde a sua primeira temporada que foi ao ar em 2016, a série já trazia referências ao contexto histórico no qual ela se passa. Nela, um grupo de crianças da pequena cidade de Hawkings- Indiana, costumava se reunir para jogar o jogo de RPG (jogo de interpretação/representação) “Dungeons & Dragons” no início da década de 1980.

Mundo Invertido:

Nesse sentido, o cotidiano dessas crianças muda a partir do desaparecimento de um deles, Will Byers, e na sequência a história se desenvolve com o descobrimento de um universo paralelo, chamado de Mundo Invertido.

Assim, além da trama envolvendo laboratórios científicos, que desenvolviam experiências secretas do governo com o aparecimento de poderes sobrenaturais em uma menina chamada Eleven, na tradução Onze.

Anos 80:

Mas, as referências aos anos 80 vão além do vestuário, cenário e alusões à cultura pop do período. Nesse caso, a série como um todo, trabalha questões sobre o contexto político do momento.

Isso ocorre, principalmente, na sua terceira temporada (2019), onde o contexto da Guerra Fria é abordado constantemente.

Guerra Fria:

Evidentemente, o conflito ideológico que movimentou as duas superpotências mundiais, EUA e URSS, após a Segunda Guerra Mundial até o início da década de 1990, influenciou fortemente a cultura pop.

Desse modo, durante a década de 1980, em conformidade com as décadas anteriores, o cinema norte-americano foi constantemente utilizado como ferramenta para a propaganda patriótica dos EUA.

Propaganda:

Já comentamos aqui no blog, sobre a utilização do cinema durante a Segunda Guerra Mundial com os filmes do Pato Donald. Assim como, sobre a utilização de super-heróis com características norte-americanas, enquanto os vilões possuíam estereótipos soviéticos.

Cinema:

O cinema produzido por Hollywood nesse período seguiu essa premissa. Nos filmes, principalmente da década de 1980, era comum os personagens trazerem essa dicotomia do bem X mal, claramente com os norte-americanos nos papéis de mocinhos.

Desse modo, criou-se um estereótipo para o vilão, que naturalmente refletindo as circunstâncias políticas do período, era sempre um soviético. O qual, sempre vai trazer características que o descrevem como selvagem, violento, irracional, sanguinário, entre outros.

Imagem retratando o personagem de Stranger Things que representa um espião soviético.
Personagem soviético. Imagem divulgação trailer Netflix.

Stranger Things e a Guerra Fria:

Embora atualmente, o estereótipo do vilão soviético não seja mais tão recorrente no cinema norte-americano, visto que a URSS foi dissolvida em 1991 e os países em conflitos com os EUA em sua maioria se localizam hoje no Oriente Médio, a série reflete o uso desses estereótipos no momento em que ela se passa, ou seja, na década de 1980.

Terceira temporada:

Nesse sentido, ao longo dos episódios da terceira temporada, é possível observar características que marcaram as produções dos anos 80: espionagem, bases secretas, corrida armamentista, pesquisas científicas e patriotismo exacerbado.

Ciência X Sobrenatural

Na terceira temporada da série, a corrida armamentista é retratada quando os soviéticos criam uma base militar e científica abaixo do shopping Starcourt Mall, recém-inaugurado na cidade.

Mas, por que os militares soviéticos teriam interesse em criar uma base em solo inimigo?

Simples, (cuidado com o Spoiler!) para abrir o portal para o Mundo invertido, que na temporada anterior havia sido fechado através dos poderes da Eleven.

Todo o empenho na criação dessa base está relacionado com o interesse soviético de, através desse universo paralelo, adquirir o controle metal das pessoas, assim como a possibilidade de poderes telecinésicos.

Stranger Things: Perigo Vermelho X Patriotismo

Nesse sentido, na série, outro elemento característico dos anos 1980 é a constante afirmação de elementos patrióticos, seja a comemoração do 4 de Julho, ou até mesmo a constante aparição de bandeiras norte-americanas em cenas.  

Post do Instagram com a imagem da personagem Elevem com uma faixa da bandeira dos EUA vendando seus olhos e da personagem Joyce Byers com bandeiras norte-americanas.
Montagem com imagens da Divulgação da Netflix.

Nesse sentido, até o nome da personagem Erica, irmã do Lucas, é utilizada como elemento patriótico no diálogo em que ela fala que “você não soletra América sem Erica”.

Anticomunismo:

Consequentemente, em contraponto, o anticomunismo do período é retratado através da afirmação de uma “inferioridade” dos soviéticos em relação aos norte-americanos.

Nesse sentido, para isso, os diálogos buscam constantemente afirmar o quão frágil é a estratégia dos personagens militares da URSS.

Stranger Things: Nerds X Soviéticos

Várias cenas mostram os militares falando sobre a impossibilidade de a base ser descoberta, enquanto isso, o grupo de crianças protagonistas intercepta a transmissão dos militares através dos seus “Walkie Talkies”.

Imagem com os atores que compõe o elenco jovem da série Stranger Things.
Elenco jovem de Stranger Things. Divulgação Netflix.

Mas a habilidade das crianças não fica por aí, em menos de 24 horas, eles também traduzem e decodificam o código secreto usado pelos personagens soviéticos, assim como invadem a base dos militares.

Não vamos falar aqui sobre o final da temporada para não estragar a experiência de quem ainda não assistiu a série, mas com esses elementos já dá pra ter uma ideia do que acontece no final.

Strangers Things em sala de aula:

É importante lembrar, que a terceira temporada de Stranger Things tem a classificação indicativa a partir de 16 anos, portanto, se for trabalhar alguma cena em sala de aula, recomendamos seu uso apenas nos últimos anos do Ensino Médio.

Guerra Fria + Propaganda

As possibilidades temáticas para abordagem em sala de aula estão principalmente relacionadas com o uso do cinema e de produções da cultura pop como ferramenta para a propaganda anticomunista característica do período da Guerra Fria.

Nesse sentido, cabe ao professor, selecionar qual o recorte temático que utilizará para a discussão dos temas possíveis em relação a Guerra Fria.

Referências Bibliográficas:

Série Stranger Things. Emissora: Netflix. 2016-2019.

Gosta das nossas publicações que relacionam a História com a Cultura Pop? 
Nos conte nos comentários ;)

Caroline Dähne

Mestre em História, Cultura e Identidades e graduada em Licenciatura em História pela Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG). Desenvolve pesquisas relacionadas a Segunda Guerra Mundial, Discursos jornalísticos, Patriotismo e Nacionalismo, Imprensa brasileira e Propagandas de guerra. Atualmente atua como professora de História na rede particular de ensino na cidade de Curitiba-PR.

12 comentários

Cris Brand · 11/07/2019 às 20:56

Adorei. Parabéns 😍

Tiago · 04/10/2019 às 23:02

Olá, achei sua análise bem interessante. Assisti faz pouco tempo essa temporada de Stranger Things e pensei bastante sobre o que ela diz, não apenas com sua retratação cultural e política dos anos 80, como aparentemente ela é, mas, o que ela diz sobre o atual momento político americano e também mundial. Não me leve à mal se eu me estender no comentário, pois eu não tenho muita habilidade em sintetizar ideias em frases curtas. Sobre o anticomunismo, em primeiro lugar, não sei se posso dizer que a série foi anticomunista pela forma caricatural com que os comunistas foram retratados (claro que é caricatural, bem cômica na verdade, pois se trata de uma série juvenil de aventura/mistério/sci fi); aqueles vilões poderiam ser nazistas do centro da Terra, vilões genéricos do James Bond ou inimigos de algum super-herói, tipo um Lex Luthor ou qualquer outro tipo de vilão estereotipado, por que, nesse sentido a série não está se levando à sério (nem a gente deveria também). Em segundo lugar, ainda sobre o anticomunismo, eu pensei bem em algumas falas e cenas, que, sendo alguém que se identifica como de esquerda, me incomodaram muito mais do que aqueles comunistas patetas que são descobertos por crianças e adolescentes muito espertos (bem anos 80, tipo um Goonies); para mim a série é muito mais uma ode ao sistema capitalista (ou uma idealização desse) do que anticomunista: o exemplo maior é a personagem Erica, irmã de Lucas, pois as frases dela sobre como a coisa que ela mais ama na América é o capitalismo, sobre como nesse sistema as pessoas são pagas conforme a importância de seu trabalho, que é um sistema de trocas livre etc (toda esse baboseira neoliberal), tudo isso, dito por uma criança, deixa o discurso muito mais “fofinho” e palatável do que se fosse dito por um adulto; todo esse discurso caberia na cena em que o prefeito chama o Hopper para que ele disperse a população de lojistas que estão protestando em frente a prefeitura por conta do novo shopping center que devastou o comercio local, pois, (segundo essa lógica neoliberal) impedir o funcionamento deste estabelecimento seria uma violação enorme destes preceitos de livre mercado que foram expressados acima, mas que na boca do prefeito soaria de forma cínica, e depois que sabemos a relação do prefeito com o estabelecimento do shopping na cidade também poderia soar como uma crítica ao sistema econômico vigente. Continuando nessa linha de ode ao capitalismo, podemos analisar a parte em que Eleven e Max vão ao shopping para fazer compras e se divertir, depois que essas se desentendem com seus namorados, como sendo uma forma de se “libertar” e expressar sua individualidade na forma de consumo: de roupas, acessórios, bijuterias etc. A ideia de que um sujeito pode expressar sua identidade, sua individualidade e assim se “libertar” e se “realizar” como pessoa através do consumo, e que isso só é possível através do capitalismo (ao contrario do comunismo malvadão, que “prende” as pessoas e as faz “sumirem” na coletividade), é uma ideia implícita nessa temporada. continua…

    Tiago · 05/10/2019 às 00:24

    Agora, pensando sobre a questão do shopping, pensei como isso não seria uma forma velada (ou não tão velada assim) de crítica à forma como a China atua no comércio mundial. Quando pensei isso eu tinha em mente a atual crise das relações EUA e China, pois, desde às eleições, o Donald Trump faz críticas à forma predatória com que a China penetra na economia dos países nos quais ela investe, e em nome de defender a economia americana, o Trump resolveu sobretaxar os produtos chineses, tendo uma ação reciproca da China; também tem toda uma preocupação do governo americano com a questão da segurança por conta da empresa chinesa que desenvolveu a tecnologia de banda larga de 5G. Ora, não faço ideia em quem os irmãos Duffer (produtores da série) votaram para presidente, mas, para mim, em um primeiro momento, fez todo sentido essa relação do discurso do Trump sobre a China com o shopping na série: um empreendimento que é fruto de investimentos de um país comunista, que não é revelado de início, mas depois se descobre que é a União Soviética, que devasta a economia local, e que tem por traz uma plano militar secreto para acabar com os EUA; como a industria cinematografia americana tem muito investimento chinês, ficando atualmente, de forma implícita, proibida a representação de chineses como vilões(vide Homem de Ferro 3), e pela série se passar nos anos 80 (período de Guerra Fria ainda vigente), foi bem conveniente colocarem os soviéticos como vilões. Porém, pensando mais um pouco após escutar algumas análises sobre a terceira temporada de Stranger Things, na qual algumas pessoas colocaram que poderiam haver críticas ao Trump, por exemplo, na figura do cara loiro do jornal da cidade de Hawkins, o mais escroto que pega no pé da Nancy, pensei em analisar por essa perspectiva. Nos últimos anos as relações entre EUA e Rússia vêm se deteriorando, ficando cada vez mais tensas, chegando ao nível que já têm alguns analistas que dizem que estamos vivendo em uma nova Guerra Fria. Na cultura pop americana já se pode ver que os russos voltaram a ser os vilões em filmes recentes, como por exemplo em John Wick (com Keano Reeves) e O Protetor (com Denzel Washington). Nesse contexto, podemos destacar também a acusação de interferência russa nas eleições norte americanas, ajudando a eleger Donald Trump. Trazendo para dentro da narrativa da série, os russos/soviéticos também estão por traz do prefeito de Hawkins. Nesse sentido, os russos são vistos como um perigo por intervirem dentro dos EUA, na série, construindo um portal para o mundo invertido, e na vida real, ajudando a eleger um político populista como Trump; nos dois casos há uma ameaça russa à América. Numa perspectiva liberal/democrata, Donald Trump é uma ameaça ao modo de vida americano , na medida que este faz políticas que impedem a livre circulação de pessoas e produtos/serviços dentro dos EUA, assim, colocando sob risco uma ideia de “terra da liberdade”. Deixando claro que isso são apenas uma perspectiva de análise e que não é possível cravar qual é posição ideológica dos criadores da série.

    Caroline Dähne · 07/10/2019 às 23:56

    Concordo com seu ponto de vista!
    Embora a série seja produzida visando o entretenimento, não podemos ignorar as influências utilizadas na sua elaboração.
    Obviamente é complicado sem uma análise mais aprofundada afirmar sobre os interesses ideológicos dos produtores da série. Mas, é possível perceber nela alguns padrões culturais que influenciaram e continuam influenciando as produções Hollywoodianas.
    Essa questão do patriotismo exacerbado que você salientou, por exemplo, é bastante característico desse tipo de obra cinematográfica norte-americana. E a “zoação” com o Comunismo que eu apontei como um característica anticomunista é utilizada muito mais no sentido de construir um “outro” visto como inferior, para que haja um “eu” apresentado como superior.
    Em relação a influência política atual dos Eua na obra, não posso opinar, por não ter muito conhecimento sobre o tema. Mas achei muito interessante tua observação, vou pesquisar mais sobre isso!
    Obrigada pelas suas considerações, sinta-se a vontade para sempre contribuir comentando nas nossas publicações e ampliar o debate sobre os temas. 😉

      Tiago · 08/10/2019 às 15:24

      Muito obrigado por responder. Acabei de descobrir seu site, mas vou acompanhar suas análises daqui em diante, pois, adoro discutir as mensagens que ficam nas entre linhas em obras da cultura pop, principalmente em obras de audiovisual. Para você ter uma ideia, após assistir a terceira temporada de Stranger Things, eu procurei um grupo de discussão sobre a série no facebook. Fui aceito em um, porém, ele é composto na maioria por pessoas que não têm interesse em discutir a série de maneira mais profunda, ficando resumido apenas a postagens com fotos dos atores e bajulação destes, ou teorias sobre a quarta temporada, ou discutindo sobre o se o Hopper está vivo ou “chipando” os casais da série. Sobre a questão do anticomunismo, achei poucas pessoas discutindo isso na internet, e as que eu achei, na maioria, eram de uma perspectiva de direita, ridicularizando o fato de que houveram pessoas que se incomodaram com isso. Agradeço a sua atenção mais uma vez. Até mais.

      Caroline Dähne · 11/10/2019 às 19:14

      Olá Tiago, que bacana que você tem interesse por esse tipo de discussão, nós pretendemos continuar analisando esse tipo de produção de uma perspectiva histórica.
      Fique a vontade pra sempre participar da discussão. 😉

Tiago · 06/10/2019 às 12:07

Olá, eu havia deixado dois comentários a respeito de como a referência à Guerra Fria tinha mais do que aparentava. Gostaria de saber se foram apagados, e caso tenham sido, se há algum motivo para isso, pois em nenhum momento fui desrespeitoso, agressivo ou /e caluniador.

    Caroline Dähne · 07/10/2019 às 23:47

    Olá Tiago, os comentários não estavam aparecendo ainda pois estavam aguardando a liberação. Fazemos dessa forma para garantir que todos sejam respondidos e, como na correria do dia a dia em sala de aula não conseguimos acessar o site todos os dias, acabamos demorando um pouco para aprovar e responder os comentários. 😉

      Tiago · 08/10/2019 às 15:16

      Olá Caroline. Eu não havia visto que os comentários haviam aparecido depois. Peço desculpas pelo equívoco.

Lucas · 30/04/2020 às 00:10

Muito bomm adoreii !!!!!

Nas Tramas de Clio, uma sugestão de série para assistir é da Amazon, que se chama Hunters. Está série aborda sobre o pós 2 Guerra Mundial e também sobre todos os sujeitos envolvidos nela (judeus e nazistas) tanto no período da guerra e no pós guerra.

Eu gosteii bastante, consegui relacionar muitas coisas que realmente de fato aconteceram.

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