Vidas negras importam: como trabalhar em aula?

Publicado por Jessica Leme em

Certamente, nos últimos dias, o movimento “Vidas negras importam” está ganhando força pelo mundo todo. E aí professores, eu imagino que assim como eu, nós da área de história nos perguntamos quase que diariamente…Como vou explicar tudo isso?!

Tantas coisas acontecendo ao mesmo tempo, não só no nosso país onde a política é quase impossível de acompanhar.

No mundo todo, como por exemplo, a ascensão do fascismo, políticas nacionalistas exacerbadas, a explosão dos movimentos antirracistas, primeiro nos Estado Unidos, sendo disseminado pelo mundo todo.

Como explicar tudo isso?

Contextualize o movimento: Vidas negras importam!

Hoje destaco como tema para a aula o Movimento “Vidas Negras Importam”, que vem liderando protestos motivados pelo assassinato por asfixia de um homem negro chamado George Floyd, praticado por um policial, na cidade de Minneapolis na Califórnia.

Nesse sentido, os protestos já ocorrem a praticamente uma semana em diversas cidades americanas e já se espalharam por cidades europeias e até em algumas cidades brasileiras como Rio de Janeiro e São Paulo.

Assim, é interessante destacar que os jornais tem mencionado que as manifestações nos Estados Unidos, são as maiores desde a década de 1970, quando eram lideradas por Marthin Luther King.

Aí se torna interessante para nós enquanto professores, aproveitarmos essa “gancho” e trazer a temática para a sala de aula. Para começar vamos ambientar os alunos sobre o assunto:

“Vidas negras importam”

O movimento “Vidas negras importam” surgiu no final do ano de 2014 também em decorrência de outros assassinatos de homens negros. Na época, Michael Brown no Missouri e Ercic Garner em Nova York, ambos cometidos também por policiais.

As manifestações transformaram o movimento em uma organização que hoje não só protesta contra a violência policial contra negros nos EUA, como luta por direitos e o fim das desigualdades entre brancos e negros.

Então, o movimento “vidas negras importam”, foi criado por três mulheres negras, todas elas ativistas.

  • Alicia Garza, diretora da National Domestic Workers Alliance (Aliança nacional de trabalhadoras domésticas).
  • Patrisse Cullors, diretora da Coalition to End Sheriff Violence in Los Angeles (Coligação contra a violência policial em Los Angeles.
  • Opal Tometi, ativista pelos direitos dos imigrantes.

A princípio o movimento organizava manifestações da comunidade negra para chamar a atenção e demonstrar sua indignação diante da violência policial contra a comunidade negra.

No entanto, após as manifestações de 2014 e 2015, os participantes passaram a se organizar em comunidades negras para buscar transformar o grupo num movimento nacional.

Ainda no ano de 2015, o movimento passou a dar voz para crimes racistas que estavam ocorrendo, por exemplo, na Universidade de Seattle. Além desse caso outros passaram a serem trazidos a tona, todos relacionados a racismo, violência policial contra negros entre outros.

Manifesto: “vidas negras importam”

O Movimento, lançou um Manifesto no ano de 2015, destacando a reorganização do Movimento Negro nos Estados Unidos. Nesse manifesto o grupo esclarece seu posicionamento em favor de todos os negros independente da sua orientação sexual, nacionalidade ou classe social.

Interessante destacar esses pontos com nossos alunos, visto que os líderes do movimento negro americano nos anos 50 e 60, giravam em torno de figuras masculinas, quando não de líderes religiosos.

Agora o movimento se reorganiza com mulheres a frente que trazem outras pautas a serem discutidas, como a violência contra a mulher negra, a exploração sexual do corpo negro entre outros aspectos.

“Vidas negras importam”: Trecho do Manifesto do BLM:

“[O BLM] vai para além do nacionalismo estreito que pode prevalecer no seio das comunidades negras, que se limita a apelar aos negros a amar os negros, viver como os negros e comprar produtos dos negros e mantém à frente do movimento homens negros heterossexuais, enquanto as nossas irmãs e as pessoas homossexuais, transexuais e incapacitadas se veem marginalizadas. Black Lives Matter estima as vidas dos negros e negras homossexuais e transexuais, pessoas incapacitadas, negros sem documentos ou com antecedentes criminais, das mulheres e as vidas de todos os negros de todo o espectro de géneros. Convoca a quem foi marginalizado nos movimentos de libertação negros. É uma iniciativa para (re)construir o movimento de libertação negro.

(leia um trecho maior do manifesto nesse link https://www.cartamaior.com.br/?/Editoria/Antifascismo/O-movimento-Black-Lives-Matter-organiza-se-e-procura-definir-se-politicamente/47/47651).

Atualidade

Como comentei no início do post, há mais de uma semana os Estados Unidos vivem protestos comandados pelo movimento “Vidas negras importam”.

Vários pontos podem ser destacados com nossos alunos:

  • Motivações.
  • Ações violentas por parte dos manifestantes (questionar o quebra quebra e os saques).
  • Problematizar as ações da polícia frente aos protestos.
  • Comentar o posicionamento do governo americano frente às manifestações, citando o possível uso de armas contra a população.
  • Falar sobre a prisão do policial que só ocorreu por pressão popular.
  • Discutir a criminalização do movimento antifascista.

Como esse debate deve ser orientado?

Importante ressaltar com nossos alunos a importância do conhecimento para a formação de nossa opinião acerca de qualquer assunto.

Para isso, aproveite a oportunidade de indicar leituras sérias sobre o assunto.

Exemplos de leitura:

Conheça um pouco sobre o movimento “Black Lives Matter”

Como o Black Lives Matter tornou-se um movimento global

https://www.buzzfeed.com/br/susiearmitage/como-o-black-lives-matter-tornou-se-um-movimento-global

Como as celebridades estão a apoiar o movimento “Black Litter Matter”

https://www.elle.pt/atualidade/celebridades-george-floyd/

O movimento negro americano

Após o debate sobre o novo movimento negro nos Estados Unidos, busque demonstrar aos alunos como a História Americana é marcada pela luta por direitos civis e igualdade entre negros e brancos.

Como posso fazer isso?

Certamente, diante da situação atual, onde todos estamos em aulas online, aproveite materiais como filmes, videoclipes, documentários que tratem o assunto. Deixo aqui alguns exemplos de filmes que lidam com a temática:

Infiltrado na Klan
Infiltrado na Klan

Ao escolher esse filme, o professor pode explorar o tema da Ku Klux Klan, muito atual também explorando o racismo e organizações pautadas na supremacia branca.

Selma – Uma luta pela Igualdade
Luther King

Em Selma o professor tem a oportunidade de falar da figura de Luther King, das marchas sociais promovidas por ele. Bem como usar seu discurso histórico em paralelo com as lutas atuais.

O mordomo da Casabranca
Destaca os Panteras Negras

Nesse filme o professor pode trabalhar a ruptura de pensamento geracional destacando a figura do mordomo (pai) um homem negro subserviente, fruto de uma sociedade racista e sem direitos.

Em contraponto o filho, um jovem que chega a Universidade e passa a frequentar grupos políticos de resistência negra, ingressando posteriormente no Panteras Negras.

Dica!

Não sabe como trabalhar filmes em sala de aula? Temos um post pra te ajudar, basta clicar aqui:

Música

Certamente, outro recurso para fazer conhecer, analisar e pensar sobre o engajamento do negro americano na busca de igualdade é a produção musical. Grande característica do povo negro americano.

Estou indicando artistas contemporâneos, mas nada impede você professor de trazer os nomes que faziam eco nos anos 50 e 60.

Childish Gambino – This is America

Esse clip vale uma aula inteira só para discuti-lo, pois foi criado já inspirado no novo movimento negro americano.

Transmite imagens e discurso sobre a violência policial contra o negro nos Estados Unidos, bem como sua representação na tv, na arte em geral.

Formation – Beyonce
Beyoncé

Esse clipe da Beyoncé assim como todo o álbum Limonade marca a politização do trabalho da cantora, que passa a afirmar sua negritude em letras, dança, vestimenta e vocabulário.

Assim, é interessante destacar aos alunos que esse álbum foi muito mau recebido pelos americanos brancos, que boicotaram a cantora por estar se posicionando politicamente e trazendo em seu clip e apresentações referências históricas como os Panteras Negras.

Bailarinas Panteras Negras

Apes***T – The Cartes
A representação do negro

Nesse trabalho mais recente Beyoncé e seu marido Jay Z, gravam dentro do Museu do Louvre para questionar a representação do negro nas artes.

Nesse sentido, desde as bailarinas em várias tonalidades de pele negra, ao posicionamento dos cantores frente a obras de arte mais famosas no mundo, tudo pode ser problematizado.

Desse modo, os cantores querem demonstrar como o negro não foi representado na arte durante os séculos, em alguns pontos do clip é dado zoom em alguns quadros onde os negros estão sempre pintados como sombras atrás dos brancos.

Certamente, todos os clipes citados aqui possuem análises históricas que podem ser pesquisadas pelos alunos.

Dica!

Está com dúvida como trabalhar música para ensinar História? Clica aqui e descobre com a gente:

Documentários

Indico um documentário recente, Minha História – Michele Obama.

Michele Obama

Nesse sentido, o interessante do documentário é a discussão de como a mídia tratou a imagem da primeira dama americana. Além disso, Michele Obama destaca os ataques racistas à Casa Branca durante o governo de Barack Obama.

Leitura

Certamente, não tenho como não indicar, Angela Davis no livro, Mulheres Raça e Classe a autora destaca o trabalho de várias mulheres negras na história americana que lutaram por direitos e pelo fim da violência à comunidade negra.

Capa do livro "Mulheres, raça e classe" da autora Angela Davis, sugestão para trabalhar a temática do movimento "Vidas negras importam".

Papel do professor

Acredito que enquanto professores, principalmente das áreas de humanas temos o dever de trazer o tema do racismo às aulas com recorrência.

Assim, hoje eu trouxe a temática voltada a realidade americana, usando a atualidade do tema, porém, temos a obrigação de problematizar o racismo e a violência contra o negro no Brasil.

Certamente, isso já daria uma outra aula, com enfoque no nosso movimento negro e políticas voltados aos negros no Brasil.

Até a próxima.

#Blacklivesmatter

Fontes:

O movimento “Black Lives Matter” organiza-se e procura se definir politicamente. https://www.cartamaior.com.br/?/Editoria/Antifascismo/O-movimento-Black-Lives-Matter-organiza-se-e-procura-definir-se-politicamente/47/47651


Jessica Leme

Professora Mestre em História Cultural e Graduada em História Licenciatura na Universidade Estadual de Ponta Grossa. Pesquisa História e Fotografia; Nova História Política; Atualmente leciona na Rede Pública do Estado de São Paulo.

2 comentários

Cristiane Brand · 02/06/2020 às 14:51

Uau. Fantástico. Parabéns pelo excelente conteúdo. <3 <3

    Jessica Leme · 02/06/2020 às 16:15

    Obrigada amiga! Temos que aproveitar o interesse público para essas discussões né

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